LENDA DO CASTELO DE SANTA MARIA DA FEIRA (Episódio 3)

Lenda do Castelo de Santa Maria da Feira

LENDA DA TOMADA DO CASTELO PELOS CRISTÃOS

Episódio 1
1. A bondade de Lia
2. O estratagema de Ben Iussef
3. O casamento da cristã com o mouro
Episódio 2
4. O conspirador e o crime
5. A transfiguração de Lia
6. O plano da vingança
Episódio 3
7. Estranhos acontecimentos
8. O encontro do assassino com a velha da água
Episódio 4
9. A realização da profecia
10. O assalto do castelo
11. A fuga de Ben Alígula

EPISÓDIO 3

7. Estranhos acontecimentos

Mas sucedeu que os estranhos acontecimentos que se davam no seu quarto iam aumentando de violência e certa noite teve de lutar com um espírito que lhe pareceu de carne e osso e lhe deixou sinais bem vincados no rosto.

Não podendo esconder por mais tempo a sua inquietação e, porque não dizê-lo, o seu medo, foi procurar a Velha.

– Até mim chegou a fama da tua virtude e do teu saber. Recorro a ti para que me reveles o passado e predigas o futuro.

– Ben Alígula, os anos e os estudos deram-me muito saber e a minha experiência e o conhecimento que tenho das coisas e dos homens abriram-me as portas do desconhecido, mas isto não é o suficiente para que eu de momento possa conhecer o teu passado e desvendar o teu futuro.

Lenda do Castelo de Santa Maria Feira

Tenho de estudar os astros, tenho de conhecer as suas reações, mas antes preciso que me digas quais são as tuas inquietações para nesse sentido interrogar as estrelas.

Diz-me claramente: que pretendes de mim?

– Quero saber o que é que me traz em sobressalto. Necessito que me digas se os cristãos preparam secretamente a invasão dos meus domínios e com que poder e para quando.

Porém, antes de saber o futuro, desejo saber o passado, pois entendo que é mais fácil saber o que se passou do que o que está para se passar. Com o acerto com que me revelares o passado, julgarei do que poderás saber do futuro.

De todos os factos extraordinários que se passam no castelo quero que me expliques porque acontecem, qual a sua razão.

– Voltai daqui a oito dias e de tudo sereis informado.

– Voltarei, mas desde já te aviso de que, se não acertares com o que me aconteceu no passado, aqui mesmo serás enforcada para que a mais ninguém enganes com as tuas mentiras.
– Vai-te, que isso não vai acontecer.

Neste tempo de espera, Lia teve vários encontros com Jineff.

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8. O encontro do assassino com a velha da água

Ouçamos agora a conversa que a velha teve com o mouro:

– Ben Alígula, no teu horóscopo, há sombras a denunciar que o teu passado não está limpo. Muitos foram os teus crimes e as tuas mãos estão manchadas de sangue inocente.

Sem motivo válido, mas por simples ambição de poder, assassinaste o teu irmão.

Com tal crime a pesar-te na consciência, como não hás-de ouvir as vozes do teu remorso? O espírito do inocente esvoaça à tua volta e jamais te verás livre dele enquanto habitares o castelo.

Os teus cães uivam? É o sangue de Lia que tu lhes deste a beber e lhes queima as veias. Por isso eles, como tu, não podem ter sossego. E, se não mudares o curso dos acontecimentos que estão para se dar, eles beberão o teu próprio sangue.

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Esses acontecimentos começaram já a manifestar-se. Ontem pairou uma sombra, um espírito no teu quarto. Esse espírito deixou a sua marca na tua face. Eu distingo-a. Mas já uns dias antes…

– Cala-te. Do passado não desejo saber mais nada…

– Então passemos ao futuro. O teu horóscopo no caminho do futuro também não te é favorável. O sangue dos inocentes pede vingança e a hora do ajuste de contas aproxima-se.

Os cristãos preparam ativamente a invasão dos teus domínios e todo o teu poder será impotente para os deter.

Sofrerás tremenda derrota e verás os teus homens passados a fio de espada e muitos deles comidos pelos lobos e ursos que virão no seu exército. Serás feito prisioneiro e o pai de Lia far-te-á enforcar na ameia onde estiveste a ver a fogueira que lhe queimou a filha.

– Como te atreves a dizer-me isso? Prisioneiro eu? Pois alguém poderá transpor as portas da maior fortaleza dependente do Kalifado de Córdova?

Quem será pendurado nas ameias do castelo és tu, velha idiota, que julgas amedrontar-me com as tuas disparatadas profecias.

– Detém-te lá, Alígula. Podes dispor da minha vida como dispuseste da de teu irmão e de Lia. Quiseste ouvir-me e eu dispus-me a falar-te, mas só para dizer-te a verdade.

Muitos trabalhos passei em noites sem dormir para ler nos astros o teu futuro e o que averiguei não deixarei de to comunicar.

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Depois ficarei ao teu dispor; poderás então levar-me contigo e, se assim quiseres, pendurar-me na ameia do teu castelo. Estou velha, a vida para mim já não tem encantos, mas só pesares e tristezas. Não me oporei aos teus desígnios. Ouve, pois o resto.

A comunicação mais importante que tenho a fazer-te é esta: As portas da tua fortaleza não serão forçadas pelos teus inimigos, elas ser-lhes-ão abertas de par em par pelos teus homens.

Dentro do castelo há traidores que por bem pouco se comprometeram a vender-te aos teus inimigos.
E agora, para te esclarecer melhor sobre o futuro, tenho de voltar ao passado. Lia vivia feliz com teu irmão, mas ele era um estorvo às tuas ambições.

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Para ascenderes ao Kalifado forçoso era que ele desaparecesse e, com ele, Lia.

Com as intrigas e falsidades que levaste a Córdova, foi-te dado o poder no castelo. Mas como podias tomar conta do poder se toda a guarnição te era hostil?

Em vão procuraste subornar alguns homens para prenderes lussef, mas, como o não conseguiste e a tua ambição não tinha limites, antes que uma embaixada fosse mandada a Córdova, onde esclarecidos os factos, o prisioneiro serias tu, manchaste as tuas mãos no sangue do teu irmão.

O remorso que logo após tão abominável crime se apoderou de ti e te encheu de pavor tirou-te a coragem para embeberes o punhal no coração de Lia.

Então entregaste-a a um pelotão que a conduziu a Corujeiras e, depois de lhe haver tirado o sangue para os teus cães, a queimou.

Um dos assassinos de Lia, roído pelo remorso, apresentou-se há tempos a seu pai e tudo lhe referiu. Podes imaginar a cólera daquele homem que jurou não mais ter descanso enquanto não reduzisse a fortaleza a um montão de ruínas e os seus moradores a cinzas.

Neste momento, emissários seus percorrem toda a cristandade a levantar tropas contra o tirano assassino de sua filha. Este exército movido pelo desejo de vingança, levará tudo a ferro e fogo.

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Ao seu ímpeto destruidor, nada resistirá. No dia do ajuste de contas os teus te trairão e serás entregue aos teus inimigos. A tua sentença já está escrita: serás pendurado na ameia em que estiveste a ver a fogueira que queimou Lia.

Mas tu, na fuga, poderás ainda salvar-te e salvar os teus. O coração dos cristãos não é dado a vingança. O pai de Lia contentar-se-á em queimar a fortaleza e não passará adiante.

Aceita fugir para Coimbra e lá, se te contentares em servir como criado, poderás acabar em paz os teus dias, se é que pode ter paz um coração assassino.

E agora, para que saibas que, quanto te tenho dito é verdadeiro, vou dar-te um testemunho e assim terás por certo o que agora te parece duvidoso.

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Neste momento, emissários seus percorrem toda a cristandade a levantar tropas contra o tirano assassino de sua filha. Este exército movido pelo desejo de vingança, levará tudo a ferro e fogo.
Ao seu ímpeto destruidor, nada resistirá. No dia do ajuste de contas os teus te trairão e serás entregue aos teus inimigos. A tua sentença já está escrita: serás pendurado na ameia em que estiveste a ver a fogueira que queimou Lia.
Mas tu, na fuga, poderás ainda salvar-te e salvar os teus. O coração dos cristãos não é dado a vingança. O pai de Lia contentar-se-á em queimar a fortaleza e não passará adiante.
Aceita fugir para Coimbra e lá, se te contentares em servir como criado, poderás acabar em paz os teus dias, se é que pode ter paz um coração assassino. E agora, para que saibas que, quanto te tenho dito é verdadeiro, vou dar-te um testemunho e assim terás por certo o que agora te parece duvidoso.

Lenda do Castelo de Santa Maria Feira

Amanhã, quando acordares, encontrarás junto de ti o sinal da verdade – a imagem daquele que deu a vida pelos homens.

Quando te recolheres ao teu quarto examina minuciosamente tudo quanto lá existe para teres a certeza de que ela não está lá nem lá poderá entrar se fechares com segurança todas as portas e janelas.

O aparecimento da cruz durante a noite é o sinal da verdade, o testemunho do que te afirmei.

– Vai-te preparando, velha feiticeira, para deixares esta vida. Eu tomarei tais cautelas que no meu quarto nada poderá entrar sem o meu consentimento.

Fica sabendo que não é possível aparecer ali qualquer sinal e o não aparecimento desse testemunho de que me falas significa a tua sentença de morte. Serás queimada como bruxa malfeitora.

– Mas eu volto a afirmar-te que Ele, o Cristo de Misericórdia, de manhã estará no teu quarto. E, diante da sua presença ainda duvidarás da Velha?

– Ora tu a querer levar-me a dar crédito ao impossível. És doida. E eu que cheguei a acreditar no teu saber.

Como foi possível eu não ter visto, pelas tuas excentricidades, que eras uma lunática? Mas uma lunática perigosa para os ignorantes, pois assim como parece que estás convencida de que falas verdade, queres, por força, levar as pessoas a acreditarem-te e isso pode causar grandes males.

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Não disseste ainda há pouco que, se eu quisesse salvar a vida, tinha de empreender a fuga para Coimbra? Se eu te acreditasse e fugisse, não poderia comprometer a segurança do Kalifado de Córdova?

Não, velha louca, não poderei consentir que nos meus domínios continues a atemorizar as pessoas com as tuas disparatadas profecias.

De manhã mandar-te-ei buscar e à tarde serás queimada na Praça de Armas do castelo. Deixo-te em paz durante a noite para que peças perdão dos teus desvarios a Allah.

– E se o sinal aparecer, Ben Alígula? E se os teus olhos fixarem o Redentor dos cristãos, ainda me mandas queimar? À fé da minha alma, mais uma vez te juro: O Crucificado de manhã será contigo para que saibas que Deus está com os cristãos e que Allah te abandonou por causa dos teus crimes.

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